sexta-feira, 2 de julho de 2021

GRANDE ENTREVISTA

QUATRO ANOS LADO A LADO

PAULA GRAÇA

PrOFESSORA TITULAR DO 4.º ANO NO aecv


No passado dia 5 de Março entrevistámos por videoconferência, em pleno período de confinamento devido à pandemia, a professora Paula Graça. Uma conversa onde a (nossa) professora nos abriu o seu coração, nos falou de si, da sua infância e nos emocionou com tanto amor pela sua profissão, com tanto carinho e sensibilidade. Obrigados, professora! Vamos ter saudades!

O Saltitão - Olá, professora. Tudo bem? A primeira pergunta é: qual é o seu nome completo?

Paula Graça - O meu nome completo é Paula Maria Porto Serralha Temudo Graça. Graça que vocês conhecem, não é?

E a segunda pergunta é: qual é a sua cor favorita?

A minha cor favorita é azul.

Professora, qual é o nome de cada uma das suas filhas?

Então, a minha filha mais velha chama-se Maria Lúcia e a mais nova chama-se Ana Isabel.

Já viajou para outros sítios do mundo?

Olha, infelizmente eu não viajei tanto quanto teria gostado porque eu acho que quem viaja, deve realmente ter um prazer muito grande nisso e deve aprender imenso! Mas nem todos temos as mesmas possibilidades, nem todos fomos educados da mesma forma para nos arriscarmos a viajar pelo desconhecido. Digamos que as minhas viagens são aqui por perto. Os países que eu já visitei foram a Espanha, a França e a Bélgica e dentro do nosso país posso dizer que já fui aos Açores, que é assim um pouco mais distante do que são as viagens mais comuns dentro do continente, não é? São as viagens que fiz, gostei imenso e tenho pena de não ter viajado mais. Por isso, sabem o que é que eu faço? Enquanto muitos pais acham que os filhos deviam ficar aqui junto deles, quando as minhas filhas dizem que querem viajar, eu incentivo-as! Compreendemos o mundo a contactar com realidades diferentes daquelas que nós conhecemos todos os dias? O mais cómodo para nós é vivermos dentro daquilo que conhecemos; a viagem pode representar um risco, uma aventura! Mas é pondo-nos à prova encarando coisas diferentes, que crescemos como pessoas. Apesar de não ter feito muitas viagens garanto-vos que as que fiz foram muito boas e deram para aprender muito.

Olha, a professora já viajou mais do que eu!!!

(risos) Não faz mal, até porque a professora já tem muitos mais anos do que tu, e tu certamente vais ter muitas oportunidades de viajar. Mais do que eu, vais ver!

Ilustração de Mariana Milhano

Porque é que escolheu a profissão de professora? E do que é que gosta mais e menos no seu trabalho?

Eu escolhi a profissão de professora porque… sabes, eu sempre gostei de conversar com crianças e sempre gostei de colocar desafios às crianças para ver como é que elas respondiam e pensavam. Eu tinha 15 anos, tinha feito o 9.º ano e nas férias decidi abrir na minha casa, na altura a casa dos meus pais - claro - uma coisa chamada «Tempos Livres». Na altura não era nada muito sério como é agora, com inscrições, muita organização, formação… foi só porque me apeteceu! Contactei as pessoas que tinham crianças pequenas e perguntei se queriam que eu trabalhasse com os seus filhos durante o Verão. E fiz isto de forma voluntária, não levava dinheiro a ninguém, porque não era formada nem tinha preparação. Então, consegui juntar à volta de vinte crianças, numa sala em casa da minha mãe. Cada criança trazia a sua cadeirinha, porque eu não tinha cadeiras para todos… e depois tinha vários materiais que ia trabalhando com eles, desde jogos, com cordas com arcos, ouvir músicas, fazer desenhos… E proponha-lhes desafios para escrever palavras, resolver problemas… enfim, brincadeiras que eu nem sabia se fazia bem ou mal, mas tentava, e achava giro. E depois os pais é que acabaram por achar interessante dar-me algum dinheirinho pelo meu trabalho. Eu nem devia ter 15 anos, devia até ser mais nova, penso eu… E pronto, nessa altura comecei a pensar que talvez não fosse má ideia tirar o curso de professora. Depois, tinha outra situação que também me ajudava bastante; é que eu podia tirar um curso de professora,perto da minha terra. Havia escolas para professores, que se chamavam na altura Magistério Primário, em Portalegre. Eu ficava perto de Nisa, os meus pais nem teriam que fazer um sacrifício assim tão grande. E depois, cá entre nós, também era mais confortável para mim, ficava na minha casinha, com o meu paizinho, a minha mãezinha, o meu irmãozinho e não arriscava muito. Eu acho que nesta altura ainda tinha um bocadinho de medo das viagens, como falávamos há pouco, e estava mais presa àquilo que era mais confortável para mim. É muito fácil dizer do que gosto mais. O que eu gosto mais, é mesmo de dar aulas, é de estar com os alunos, é de conversar convosco, não só de vos ensinar, porque ensinar é uma coisa muito importante, mas acho que mais importante do que ensinar é envolver-me convosco, partilhar as vossas expectativas e aquilo que gostariam de fazer. Portanto, há uma parte do ensino que é aquela que eu sou obrigada a fazer (os temas que tenho de tratar, os conteúdos que tenho de trabalhar convosco) e há outra parte no ensino que é estabelecermos uma relação com os nossos alunos. E a relação passa por nos conhecermos, por nos tolerarmos, por nos envolvermos uns com os outros e aprendermos em conjunto. E eu só tenho pena de ao longo da minha vida não ter escrito num caderno tudo o que me fez rir e me fez divertir e me fez crescer, ao longo destes anos. Porque tem sido tão maravilhoso! Por isso eu digo que se agora começasse de novo a minha carreira ia escrever. Porque escrever também foi uma coisa que, como professora, fui aprendendo, acreditem! Eu acho que a minha profissão também é a minha missão: é a capacidade que eu tenho cultivado, desenvolvido, de ser uma professora a fazer o melhor que eu consigo fazer. Eu não ambiciono ser a melhor professora do mundo, mas ambiciono ser a melhor professora que eu conseguir ser. Então, uma coisa que não gosto no meu trabalho… Hum… Não sei… Não há assim uma situação que eu diga que não gosto. Há situações desagradáveis que acontecem, que me deixam triste, que fazem parte de lidarmos uns com os outros… quando eu não consigo compreender algum aluno que teve uma determinada ação ou um certo comportamento, que não foi o melhor. Porque às vezes os alunos fazem coisas que os professores não gostam, como também fazem coisas que os pais não gostam. Mas isto são questões de comportamento. E falo também de mim própria, que às vezes também posso errar.

A resposta anterior da professora deixou-me emocionada e quase estava a chorar porque consigo sentir que é verdade. E pergunto-lhe: tem medo de cobras?

Não. Não tenho medo de cobras. Eu só tenho um problema na minha vida, que se chama ratos. Pelos ratos eu tenho, assim, um sentimento de repulsa muito grande, pelas cobras não.

Então, o seu animal favorito deve ser a cobra, porque a cobra mata os ratos…

(risos) Olha que constatação tão interessante! Pois é, mas nem sempre as coisas mais lógicas são aquelas que o nosso coração sente. Se calhar, pensando na lógica do nosso cérebro, vou gostar muito da cobra porque ela mata o rato. Mas o que na realidade eu te quero dizer, é que eu não gosto do rato morto nem do rato vivo, e tenho interesse em que a cobra mate o rato apenas porque ela tem de o fazer para assegurar a sua alimentação. Mas eu, ao não gostar do rato, não lhe desejo mal nenhum. Eu espero que ele consiga andar por aí na natureza, de preferência longe da minha casa, muito feliz.

Se a professora tivesse um superpoder, qual seria?

Eu já disse isso a muitas pessoas de que eu gosto... Se eu tivesse um superpoder, eu tornava as pessoas felizes. E tenho dito isto a pessoas que, infelizmente, estão doentes, pessoas que passam por situações muito difíceis… Porque sabem, vocês agora como crianças, ainda vos parece que a vida é sempre alegre e cheia de coisas boas. Mas não é. E há pessoas para quem a vida se torna muito difícil e têm que lidar com doenças. E as pessoas que ao longo da vida tenho visto sofrer por doença ou por outras situações, eu digo sempre: se eu tivesse um superpoder, eu fazia alguma coisa por ti… E era este superpoder que eu queria ter: tornar as outras pessoas felizes, livrá-las daquilo que as faz sofrer, que as faz enfrentar a vida de uma maneira difícil.


Em que ano nasceu, professora?

Em 1966. Sou do meio do século passado.

Como é que se sente uma professora a trabalhar online, atrás do ecrã?

É uma boa pergunta… Uma professora sente-se incompleta. Mas, como tudo o que acontece na vida, temos de encontrar uma forma de contornar as situações e as dificuldades e transformá-las em alguma proveitosa, que nos deixe mais satisfeitos. Acho que já atravessei a fase de achar “Ah, que horror, como é que eu vou conseguir estar 30 minutos a falar com os meus alunos?!” E agora já estou uma hora e às vezes não chega, portanto, aquilo que eu sinto é que, sem dúvida, me sinto incompleta porque o nosso estar em conjunto, a resposta imediata, estarmos no mesmo espaço e percebermos instantaneamente o que é que se passa imediatamente com cada aluno que está à nossa frente… Para nós professores, é o ideal.

Qual é o seu maior medo?

Hum… o meu maior medo é morrer, sem deixar aqueles que dependem de mim, bem na vida, entendes? Quem tem a seu cargo outras pessoas, ou seja, as mães que têm filhos, as tias que têm sobrinhos, as madrinhas que têm afilhados… Eu tenho medo que estas pessoas por quem me sinto responsável, não encontrem um bom caminho na vida e que eu não seja capaz de as orientar. Depois há outras coisas que me preocupam… preocupa-me muito o nosso planeta Terra, que está muito doente, preocupa-me sentir que as pessoas não têm essa consciência e não tenham comportamentos para preservar o nosso ambiente. E isto é muito mau, porque a minha estadia na Terra será de apenas alguns anos, mas a vossa será de muitos anos e a dos vossos filhos muitos mais. O que é que eles irão encontrar no futuro? Esta é uma preocupação que tenho: sentir que as questões ambientais são muito importantes e não estão a ser assumidas por todos. Tenho medo do futuro, como as gerações futuras irão sobreviver neste planeta que está a sofrer tanto.

"E em tom de despedida…

Gostei muito de estar a conversar convosco. foi para mim uma grande honra terem-me escolhido para entrevistar e espero ter correspondido às vossas expectativas e tenha dito coisas importantes para escreverem. agradeço muito a vossa amizade!"

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