GRANDE ENTREVISTA
40 ANOS DE COMPROMISSO, LEALDADE E HUMILDADE
O SALTITÃO - Qual é o seu nome completo?
MANUEL FARINHA - Manuel Maria Farinha Ribeiro
Há quanto tempo trabalha na escola?
No próximo dia 19 de março [a entrevista realizou-se no dia 16 de fevereiro de 2022], no Dia do Pai, faz 40 anos que trabalho aqui na escola.
Quantos anos tem?
61.
Qual é a sua cor preferida?
Vermelho.
Como era esta escola quando chegou cá?
Totalmente diferente! Há muitas situações que ao longo do tempo têm vindo a ser melhoradas e a escola está cada vez mais dotada com espaços e equipamentos para vos dar melhores condições.
E como eram as instalações nesse tempo?
A escola, quando eu comecei cá a trabalhar, tinha só um bloco, este onde estamos [a entrevista decorreu nas instalações provisórias da papelaria]. Nessa altura havia mais alunos e o espaço como era mais pequeno estávamos mais juntos. Mas as instalações da escola têm vindo a ser sempre melhoradas. Na década de 80 foi construído o segundo bloco e agora com estas obras a escola vai ficar ainda mais bem equipada para que vocês se sintam cada vez melhor nela e que tenham melhores resultados.
Tem filhas ou filhos?
Não.
Qual é a sua comida favorita?
Eu sou do tempo, sou daquela altura, em que comíamos sopa e mais sopa. Era assim… e fez-me e faz-nos bem a sopa. Agora gosto do meu Bacalhau à Gomes de Sá, do meu Cozido à Portuguesa e de outros pratos.
Qual é o seu maior medo?
O meu maior medo é que, no compromisso que eu assumi com esta vida e com o cargo que desempenho, possa chegar a uma altura em que deixe de ter capacidade para fazer com que vocês tenham as melhores condições, possíveis e imaginárias, que merecem. Presentemente ainda não noto muito, mas a idade… Mas a vida tudo nos vai dando e tudo se vai concretizando!
Qual foi o maior problema que houve na escola?
O maior problema? Assim grande, grande, daquilo que eu me lembro… não me recordo de nenhum. Acho que esta escola tem funcionado de uma maneira mais ou menos equilibrada e tem funcionado sem grandes problemas.
E desde que chegou aqui à escola até aos dias de hoje nota muitas diferenças nos alunos? As crianças têm mudado ao longo destes 40 anos?
Em parte, acho que sim. Penso que sim, porque já trabalhei com milhares de alunos ao longo dos anos e noto que os jovens têm uma menor quota parte de responsabilidade, porque é assim que a sociedade os tem vindo a educar. No meu caso e no caso dos alunos que conheci quando aqui entrei com 21 anos de idade, e que vim a conhecer ao longo do tempo, começávamos a atingir um sentido de compromisso muito mais cedo. Por exemplo, eu tenho 8 irmãos, comigo somos 9 irmãos, e nessa altura o meu pai não tinha subsídios, não tinha apoios de espécie alguma para nos conseguir manter a todos e manter a casa. Então, nessa altura, grande parte das crianças com 5 ou 6 anos em vez de irem para a escola, iam trabalhar. Eu fui ajudar a minha família, ganhar alguns tostões, para que os meus pais conseguissem manter o melhor possível a família e a casa. E penso que essa situação exigia de nós uma responsabilidade que ao longo dos anos se tem vindo a perder um pouco. Temos de viver com aquilo que nos é dado…
Porque é que decidiu trabalhar nesta escola?
Eu comecei a trabalhar, assim mais a sério, a fazer descontos para a Segurança Social, com 14 anos, porque na verdade comecei com 5 ou 6 anos… Em 1980 tive um grave acidente de viação que me provocou muitos danos a nível físico - um traumatismo craniano, 28 dias em coma, uma série de problemas. Este acidente aconteceu no final do ano de 1980. Entretanto fui recuperando, e chegou a altura que tive de recomeçar a trabalhar e abriu um concurso aqui na escola para admissão de um guarda-noturno. E eu concorri a essa vaga e entrei para a escola com a categoria de guarda-noturno e desempenhei essas funções durante 8 meses. Entretanto, eu sempre fui uma pessoa ligada ao desporto, e estava cá a trabalhar um professor de educação física que já está aposentado, e que me conhecia porque éramos juízes de atletismo e estávamos ligados ao INATEL. Então, por conveniência do serviço requisitou-me para a parte da educação física. E estive a prestar funções no gimnodesportivo ajudando todos os professores que vinham anualmente. Dediquei-me a estas funções com todo o meu empenho. Embora já tivesse uma noção vaga do que era o desporto, aquele professor puxou-me para a educação física, para trabalhar com ele, e ele era uma pessoa competentíssima a nível distrital. Com esse professor de educação física eu aprendi tudo o que tem a ver com o desporto, com os saltos, com a ginástica; aprendi as regras, e ainda hoje sei tudo de «cor e salteado». Estava tudo bem, mas a vida traz-nos sempre surpresas e no final da década de 90 deixei o gimnodesportivo e voltei a trabalhar no edifício principal da escola. Estive a trabalhar na portaria da escola durante 3 anos. Mantive-me nessas funções até que fez falta alguém para trabalhar na reprografia. E lá fui eu para a reprografia. Ainda estou a desempenhar parte dessas funções, graças à formação que fui tendo nesse tempo. E por essa altura foram implantados na escola os serviços digitais. Vieram uns senhores com computadores e disseram-me: “Olhe, isto abre-se assim e fecha-se assim”… Felizmente, eu também sou diretor de uma associação do concelho de Castelo de Vide desde a década de 80. Ou seja, desde que vim para a escola que sou diretor da Casa do Povo. E, se no início era a Junta Central das Casas do Povo que era o maior suporte dessa associação, a situação mudou porque com a extinção desse junta passaram as direções a ser responsáveis e tive que aprender a fazer todas as funções na Casa do Povo. Só havia um computador nessa altura e eu não sabia fazer nada no computador. Comprei um computador para essa associação e fui perdendo noites, fui fazendo, fui aprendendo… E quando começou a Escola Digital em 2005 o órgão de gestão entendeu meter-me a mim na papelaria e no terminal da Escola Digital. Eu como já tinha aprendido alguma coisa no computador da associação, comecei e fui conhecendo o programa e hoje em dia posso dizer que conheço o programa como os dedos das minhas mãos. Desde 2005 que estou ligado a este programa. Entretanto, a pessoa que estava como encarregada do pessoal não docente aposentou-se e um colega ocupou esse cargo. Mas esse colega sofreu um acidente e fui eu nomeado como encarregado do pessoal auxiliar. Fui nomeado e estive durante 18 anos, em mobilidade, a desempenhar essas funções. Era contínuo. Era assim que se chamava, nessa altura. Agora somos assistentes operacionais. Entretanto no final do ano de 2018, e com uma boa colaboração do órgão de gestão em funções, fizeram um manifesto para o Ministério da Educação, para a Diretora-Geral da Educação, dizendo que eu era a pessoa que estava mais apta e capaz para desempenhar essa função e, com o intuito de me consolidarem a carreira, entrei para o Quadro na categoria de Encarregado Operacional, situação que mantenho até hoje. Tem sido este o meu trajeto, ao longo destes anos, neste agrupamento de escolas, e com o qual me sinto satisfeito, tranquilo e com a certeza que ao longo destes anos, contribuí também para que vocês, e as gerações que vierem a seguir, tenham um pouco mais de estabilidade na vossa função – estudar – e que fiquem melhor preparados para a vida.
Tem animais?
Sim, tenho uma quinta. Tenho ovelhas, tenho borreguinhos, tenho cabritos, tenho galinhas, tenho patos, tenho cães, tenho gatos. E sou muito amigo dos animais! Sempre fui muito objetivo naquilo que quis e consegui. Os animais são seres vivos como nós! E quando temos animais temos de os tratar com dignidade. Às vezes esqueço-me até de algumas coisas que me fazem falta, mas para os animais levo sempre as coisas que sei que gostam para que eles se sintam bem, lá onde estão, diariamente.
Quando era pequeno andou nesta escola?
Sim. Fiz aquilo a que hoje se chama o 1.º Ciclo, até à 4.ª Classe ou 4.º Ano, ali na escola mais pequena. E nesta fiz até ao 6.º Ano, que era antigamente o 2.º Ano do 2.º Ciclo. Voltamos ao princípio da conversa… Eu fui sempre bom aluno, tive sempre boas notas. O meu pai dizia-me assim “se não tiveres boas notas, quando chegar à altura das férias tens de ir trabalhar”. Mas eu, mesmo tendo boas notas, ia sempre trabalhar durante as férias. Depois do 6.º ano fui trabalhar, fui fazendo cursos de informática, fiz o 3.º Ano do Curso Geral Liceal, fiz cadeiras do Secundário… sempre estudei a título não presencial. O que fiz presencial foi o Curso Geral Liceal onde entrava às 19:00 e saía à meia-noite. Todas as outras cadeiras, os outros cursos foram sempre em regime não presencial. Este é um meio pequeno, portanto, amigos meus, da minha infância, da minha geração e de outras anteriores, que também andavam a estudar nessa altura, levavam-me os apontamentos, cópias da matéria, e eu ia estudando, e acabei por fazer tudo com «uma perna às costas». Nas disciplinas de Matemática, Físico-química e História fui dos melhores alunos que passaram por esta escola. De 0 a 20 tinha sempre 19,8, 19,9. Tenho cursos de árbitro de futebol, de juiz de atletismo, de informática. Tenho 40 anos como diretor de associações, já criei associações, já fiz associados, já fui tesoureiro, já recebi quotas, sou tudo. Porquê? Os meus pais, com as poucas habilitações que tinham na altura, conseguiram dotar-me de três princípios que para mim são muito importantes na vida de qualquer ser humano. Quais são esses princípios? Lealdade, humildade e compromisso. Ninguém é perfeito, todos nós fazemos coisas boas, coisas muito boas, coisas más… Cá está o princípio da humildade. Quando alguém nos chama à atenção: “Olha, fizeste isto assim, não devias ter feito, deves passar a fazer assim…” nós devemos ter capacidade de aceitar e tentar melhorar no nosso dia a dia. O princípio da lealdade: eu estou aqui a falar com vocês, e estou falar de coração aberto, porque confio que vocês também estão aqui a falar comigo sob o mesmo princípio. O princípio do compromisso: eu tenho este horário, assumi este horário, mas quando sei que tenho que fazer isto, às vezes tenho que fazer uma hora ou duas horas a mais e não fico preocupado com isso. Eu, na qualidade de Encarregado Operacional, tive sempre estes princípios. Gosto de trabalhar com pessoas e as pessoas para mim são todas iguais. Na minha opinião devemos estar comprometidos com as funções que desempenhamos. E quando isto não acontece, quando nós não estamos comprometidos com as funções que desempenhamos não vale a pena estarmos a «fazer o jeito». Portanto faço-vos o apelo que, doravante, pensem nestas coisas que vos estou a dizer. Mais tarde verão que são bastante construtivas e úteis para as vossas carreiras.
Tem algum antigo colega de escola a trabalhar consigo?
Já tive sim, mas já se aposentaram. Gostei muito de trabalhar com eles todos e aprendi muito com todos.
Gostou da sua carreira?
Muito! Vou fazer 47 anos de trabalho… já é considerada uma carreira longa. Eu tenho mantido sempre um objetivo na minha cabeça desde que vim trabalhar para a escola: independentemente do resto queria fazer 40 anos de escola e no dia 19 deste mês [março de 2022] vou fazê-los. A partir daí, o futuro a Deus pertence e vamos ver o que é que vai acontecer. Sinto-me muito orgulhoso de tudo. Tanto das minhas funções aqui na escola como na associação de que hoje sou presidente. Sempre trabalhei e continuo a trabalhar para dar um dia melhor ao próximo. Porque se faço coisas boas por mim a trabalhar estou também a pensar em deixar melhores condições para as pessoas que virão a seguir a nós. Essa sempre foi a minha maneira de ser e de estar.
"Temos que aproveitar todas as oportunidades e delas tirar todo o sumo, e pensarmos que mais tarde nos podem vir a ajudar, a todos nós, à natureza, ao meio em que vivemos. Porque o objetivo de qualquer ser pensante é quando partirmos deste mundo deixar o mundo um bocadinho melhor do que aquele que encontrámos quando cá chegámos. Gostei muito de falar convosco! Estarei sempre à vossa disposição. Muito obrigado!"