segunda-feira, 11 de julho de 2022

 

GRANDE ENTREVISTA





Na Grande Entrevista desta edição, decidimos saber mais sobre o Prof. António Eustáquio. Nasceu em Portalegre, fez 61 anos no dia seguinte à realização desta entrevista e é professor de música do 5.º ao 9.º ano. Além de ser nosso professor, é um grande músico que já tocou por todo o mundo. Bem simpático, contou-nos imensas histórias!



O SALTITÃO - Porque quis ser guitarrista?

ANTÓNIO EUSTÁQUIO - Olha, quando eu tinha 5 anos, ia a casa da minha bisavó e tinha um tio que tocava música. Tinha uma guitarra, um piano, um acordeão... Aliás, os primeiros passos que dei em bebé foi a ouvi-lo tocar acordeão. Não me deixavam mexer nos instrumentos, porque como era pequenino podia estragá-los. E então, o que é que aconteceu? Um dia, às escondidas da minha tia, comecei a tocar a guitarra, uma «coisa» que era assim tipo fado. Os meus pais ouviram-me e em vez de me ralharem, puseram-me numa escola de música. E a única escola de música que havia em Portalegre (porque eu nasci em Portalegre) era uma escola chamada FNAT. E ensinava o quê? Acordeão! Foi o primeiro instrumento que aprendi. Comecei a tocar acordeão e com sete anos já tocava em público, com a orquestra que tínhamos nessa escola.

Porque quis o Guitolão? E como o conseguiu?

O Guitolão apareceu porque eu conheci um grande músico português, o Carlos Paredes. É muito conhecido… Já morreu. Se fosse vivo já era velhote… era um dos grandes guitarristas da guitarra portuguesa. Os guitarristas conhecidos sempre tinham um construtor que lhes fazia os instrumentos. Esses instrumentos, como a Guitarra Portuguesa, o Guitolão, não são comprados nas lojas… São feitos por um artesão, que faz um instrumento especificamente para o músico. E o Carlos Paredes tinha um construtor que se chamava Gilberto Grácio, que lhe fazia as guitarras. E, imaginem: o pai deste músico mandava fazer as guitarras ao pai deste construtor e o avô deste músico ao avô deste construtor! Foram duas famílias que durante três gerações foram acompanhando sempre a construção dos instrumentos. A construção de instrumentos musicais é muito interessante porque não é só o construtor que vai evoluindo; é também o músico, depois, que vai dando a sua opinião e o construtor vai melhorando e há uma cumplicidade entre o músico e o construtor! O Guitolão aparece na sequência disso. O Carlos Paredes pediu ao construtor para lhe fazer uma guitarra maior. A Guitarra Portuguesa é aquela que acompanha o fado, mas está sempre uma viola a fazer o baixo… é a viola que acompanha a guitarra. E ele queria um instrumento que não precisasse da viola a acompanhar. Então, o construtor fez-lhe um braço maior, com sons mais graves, porque a mulher do Carlos Paredes era cantora e ele queria tocar com ela lá em casa, sem necessitar da viola. E, com esse instrumento ele conseguia fazer os baixos, os sons mais graves e fazer música com a mulher. Gravou ainda com ela e com um senhor que é poeta, o Manuel Alegre. Isto foi em 1970. Mas este instrumento ficou em lá por casa porque, entretanto, dedicou-se mais à guitarra portuguesa, que era o instrumento dele. Eu um dia fui a casa do Carlos Paredes e vi aquele instrumento e achei muito interessante. Fui tocar ao funeral do Carlos Paredes e encontro o senhor Grácio, o construtor de instrumentos, e disse-lhe: “Agora é que era altura de fazer um instrumento com base naquela ideia do Carlos Paredes.” E foi assim que nasceu o guitolão! Eu não tive grande influência na construção, apenas na afinação do instrumento e quando estava pronto comecei a dedicar-me a ele. Só que, no início, aquele instrumento era muito difícil de tocar! Porque tinha muitos harmónicos, era um instrumento que ainda… Isto dos instrumentos é muito interessante! As madeiras vão-se adaptando, como uma pessoa se vai adaptando à vida. As madeiras têm vida, não é? E enquanto no início as madeiras estavam muito cruas, depois começaram a adaptar-se à minha forma de tocar; e só ao fim de dez anos é que eu comecei a tocar no guitolão da forma que eu queria. Portanto, isto tem um processo grande de evolução.

Sabe tocar quantos instrumentos?

Estudei acordeão, depois guitarra… ainda fiz parte de uma banda de rock, quando andava no liceu e tocávamos por aí em todo o lado, nas festas de finalistas, em outras escolas… Depois, fui para o conservatório e estudei piano. Mas a guitarra sempre foi o instrumento que eu mais gostei.

Sabe tocar instrumentos de sopro?

Não, não sei. Tenho pena, mas não sei. Olhem, uma coisa de que eu gosto muito são as bandas, porque é uma escola fantástica para se aprender a ler e a tocar música. É muito bom! A banda de Póvoa e Meadas ou de Castelo de Vide… qualquer banda! Aliás, os grandes músicos que eu conheci nas orquestras clássicas começaram todos nas bandas da sua terra.

Qual é a sua comida favorita?

Gosto muito de empadão de carne picada. Mas também gosto muito de peixe… peixe grelhado! Aliás, os cozinheiros, os chefs estrangeiros, quando lhes perguntam qual a melhor comida que se faz em Portugal, dizem que é o peixe. Porque grelhar um peixe não é qualquer um que sabe; nós pensamos que é só pôr o peixe no grelhador, mas não! Tem o seu segredo, a sua mestria.

Está apaixonado por alguém?

[risos] Olha, acima de tudo estou apaixonado pela música e pela vida. [risos] Mas já estive… já estive apaixonado por uma mulher. Ao longo da vida nós temos algumas paixões, depois passam… A paixão é uma coisa que vocês vão aprender… é muito interessante! A paixão é um sentimento muito forte, não é? E que, às vezes, é muito curto, é efémero, passa depressa… mas fica sempre alguma coisa. O amor é diferente! O amor por uma mulher ou por um homem é, quanto a mim, um sentimento mais duradouro, mais real.

Tem filhos?

Tenho duas filhas e dois netos e agora vou ter mais um neto. Duas filhas já crescidas: uma tem 33 anos e outra 31.

Quantas horas ensaia por dia?

Eu agora tenho trabalhado menos, mas normalmente, quando é alturas de trabalho, umas quatro ou cinco horas. Eu estava a gravar uma vez um disco, de música que era muito difícil e eu não almocei durante sete meses. Saía das aulas, ia para casa, aproveitava a hora de almoço para tocar e depois vinha dar aulas. Comia qualquer coisa rápida, obviamente, vinha dar aulas, voltava para casa e continuava a tocar. De maneira que essa era a única forma de eu poder chegar ao estúdio de gravação e não ter problemas em executar.

Já gravou alguma música?

Gravei já uns seis ou sete discos. Gravei um há pouco tempo, que é com violino, guitolão e um acordeão de concerto, que é diferente do acordeão que nós normalmente ouvimos.

Como é que se chama esse disco?

Chama-se “Estação #60”. E sabem porquê? Adivinhem lá… Exatamente! Sessenta anos! A vida é uma viagem de comboio e vamos tendo várias estações. O primeiro ano da nossa vida é a primeira estação, segundo ano… E vamos viajando com as pessoas que temos por perto, não é? Ora, vocês agora entraram para a minha carruagem, começamos a conhecer-nos, a conviver, para o ano vou ser vosso professor. De modo que vamos andando nessa carruagem, nesse comboio e vamos sempre parando nas estações, cada vez que fazemos anos.

Qual foi a música que compôs que mais o marcou?

A nível do guitolão foi o primeiro tema, que toco sempre e que se chama “Guitolão”. Na altura, quando comecei a tocar o instrumento, não havia repertório, não havia músicas escritas para esse instrumento, porque era novo. De maneira que escrevi essa canção, que gosto muito. Depois há uma que toco sempre, que me pedem sempre para tocar nos concertos que é “Poema a uma Folha Caída”, um poema a alguém que partiu da vida.

Nunca pensou em compor música infantil?

Compus. Nós temos um livro aqui na escola, que editámos, com música que eu compus com os miúdos. Esse livro chama-se “Herbário Musical” e são canções infantis, à volta da Natureza, das plantas. Está escrita a partitura e faltou gravar o álbum. Entretanto, meteu-se a pandemia…

Que pessoas é que o acompanham a tocar?

Vamos falar só do guitolão porque é o mais recente. Eu quis experimentar tocar com várias formações diferentes, para poder experimentar o som com outros instrumentos. O primeiro foi com um quarteto de cordas: dois violinos, uma viola d’arco e o violoncelo. Depois, com um contrabaixista de jazz, que é o Carlos Barretto, um grande intérprete de jazz, gravámos outro disco. E agora, com um violino e um acordeão. Vou experimentando… Com uma cantora já fiz uns trabalhos, mas não gravei. Mas se calhar qualquer dia experimento com uma cantora, para ser diferente, para experimentar várias combinações de sons.

Conhece alguma cantora ou músico famoso?

Conheço, conheço muitos! Eu trabalhei cinco anos na RTP, numa orquestra, então apanhei os artistas todos, tocava com eles. Toquei com o Rui Veloso, o Jorge Palma… São músicos mais velhos, mais do meu tempo. O Vitorino, que canta música alentejana, o Janita, que é o irmão dele, o Sérgio Godinho, ainda toquei com todos eles.

Quantos concertos já fez?

Ora, sei lá! Milhares, se calhar! Não faço ideia, é uma boa pergunta…

Ganha dinheiro?

Sim, sim, normalmente. Salvo muito rara exceção, os músicos recebem dinheiro e devem receber. Porque os músicos são… No meu caso até não, porque sou professor, tenho o meu ordenado. Mas a maioria dos músicos, para poderem dedicar muitas horas, diariamente, ao instrumento, não podem ter outro emprego. É um investimento que se faz, é como se estivessem a trabalhar. E então, esses músicos, quando vão tocar, são pagos. Até ao séc. XVIII, mais ou menos, havia pessoas (reis, nobres…) que pagavam aos músicos, os concertos. A partir do séc. XIX, os músicos começaram a promover os seus concertos e cobravam dinheiro à entrada, que era o dinheiro para viverem. Hoje em dia, são normalmente organizações.

Qual é o seu país favorito?

Bom, em primeiro lugar, Portugal! Eu adoro Portugal e há outro país que eu gosto muito que é Espanha. Talvez porque o meu bisavô era espanhol. Depois veio, talvez durante a guerra, para Portugal e a família Eustáquio começou a viver aqui.

Como faz para conciliar as gravações, os ensaios, os concertos e as aulas?

Pois, tem sido um trabalho complicado… Eu aqui, como não tenho muitas turmas e tenho as sextas-feiras livres, tenho o fim de semana, sexta-feira, sábado e domingo. Preparo as aulas no início da semana e também a meio. Tenho sempre o cuidado de preparar as aulas, porque se não preparo é uma desgraça completa, ninguém toma conta da malta! E aos fins de semana, normalmente, vou tocar. Outras vezes, aproveito as férias para gravar, durante uma semana ou assim… É uma ginástica muito grande, é complicado. E há alturas em que me sinto muito cansado e agora com a idade dos «sessentas», já começa a pesar mais! Aliás, o que mais me custa, realmente, são as viagens!

Quando era pequeno, o que gostaria de ser quando fosse grande?

Ah, músico! É que não tive, realmente, outra opção! Eu gostei sempre de música, desde que me conheço. É curioso, nunca quis ser outra coisa. E disse uma vez ao meu pai que o que eu adorava era que eu fosse na rua e alguém dissesse: “Olha, vai ali um músico!”. Essa era a coisa que eu mais gostava!




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